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Investimento em práticas ESG faz crescer movimento nos escritórios de advocacia

O interesse das empresas em adotar boas práticas socioambientais e de governança (ESG) vem provocando um “boom” nos departamentos de direito ambiental das bancas de advocacia. Por anos limitadas a demandas tradicionais, as questões que chegam à mesa dos especialistas na área estão cada vez mais complexas. Litigância climática, selo verde, due dilligence ambiental, Termo de Compromisso Ambiental (TCA) com o Ministério Público e contratos de créditos de carbono estão entre elas.

A fabricante de bebidas Heineken, por exemplo, assinou em abril de 2022 um TCA com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e o Ministério Público Federal. O objetivo é estabelecer um compromisso de executar ações voluntárias direcionadas ao Monumento Natural Estadual Lapa Vermelha e a favor da Área de Proteção Ambiental Carste Lagoa Santa – onde foi achado o esqueleto mais antigo das Américas.

O que provocou o acordo foi a descontinuidade de um empreendimento em São Leopoldo (MG), que havia levado à abertura de um inquérito civil contra a indústria. No documento, os procuradores afirmam ter considerado, entre outros fatores, que o Grupo Heineken tem entre seus compromissos globais, que fazem parte da sua “agenda ESG”, zerar as emissões de gases estufa em toda cadeia produtiva até 2040.

“Na medida em que puderem adotar ações além do que a legislação determina, as empresas obtêm vantagens em questionamentos judiciais e do Ministério Público, assim como na busca por investimentos, principalmente internacionais”, afirma a advogada Luciana Gil, da área ambiental do Bichara Advogados. “Cumprir com a legislação não é mais suficiente, ir além é o ESG”, acrescenta.

Por causa da complexidade que as práticas ESG vêm ganhando, é cada vez mais comum que advogados ambientais trabalhem em conjunto com técnicos e cientistas. “Fizemos para uma empresa siderúrgica, por exemplo, um levantamento das normas estaduais e municipais do país que previam alguma certificação especial, como selo verde, conforme o cumprimento de determinados critérios técnicos”, diz Luciana.

Se tecnicamente comprovadas as boas práticas ambientais, exemplifica, Guarulhos (SP) concederia desconto de até 20% no IPTU e a capital paulista daria renovação de licença de operação por prazo ampliado. Minas Gerais, acrescenta, ofereceria um selo que indica ao mercado e órgãos ambientais o comprometimento da empresa.

Por outro lado, a diversificação e popularização das práticas ESG provocou a chamada litigância climática. Por meio dela, trata-se dessas práticas como se fossem obrigações legais – o que ainda não está previsto em lei. “São ações civis públicas com vários pedidos relacionados a clima, movidas pelo Ministério Público ou associações civis, contra empresas públicas ou privadas”, afirma Luciana.

A entidade civil Conectas Direitos Humanos, por exemplo, entrou com uma ação climática na Justiça contra o BNDES. Pede a adoção de medidas de transparência e políticas de investimento alinhadas às metas do Acordo de Paris e da Política Nacional sobre Mudança do Clima – compromissos globais em prol da redução da emissão de gases do efeito estufa (processo nº 1038657-42.2022.4.01.3400).

O objetivo seria “garantir a readequação do país na economia mundial rumo ao desenvolvimento sustentável” por meio da “incorporação efetiva da variável climática na sua [do BNDES] carteira de investimentos”. Para Luciana, esse caso é emblemático porque a ação foge do razoável ao tentar impor os termos de acordos internacionais, com metas propostas para os países, a empreendedores.

Por meio de nota, o BNDES informa que o pedido liminar na ação foi indeferido e está mantido até hoje. Diz também que “já iniciou a incorporação da análise de aspectos climáticos em suas operações, buscando avaliar o impacto dos riscos físicos e de transição em atividades de financiamento” (Resolução CMN nº 4.943 / 2021). Lembra ainda que é o responsável pelos recursos reembolsáveis do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima).

Ainda sem respaldo legal, a compra e venda de créditos de carbono têm demandado uma onda de revisão jurídica dos termos dos contratos. Segundo o advogado sócio na área ESG do escritório TozziniFreire, Vladimir Miranda Abreu, as empresas querem deixar claro juridicamente de quem é a titularidade do crédito (dono do projeto ou quem compra o crédito). “Além disso, para reduzir a pegada de carbono, algumas têm alterado as matrizes energéticas. Temos participado da estruturação de projetos florestais, agrícolas, relacionados à biomassa.”

Como as operações societárias já precisam nascer em conformidade com as práticas ESG, os advogados da área ambiental também têm trabalhado muito com vistorias de apoio a esses novos negócios. De acordo com o advogado Antonio Augusto Reis, sócio de direito ambiental e ESG do Mattos Filho, o movimento ESG provocou uma demanda maior por due diligences com foco socioambiental.

“Fazemos a avaliação da cadeia de fornecimento, por exemplo, ajudando nos trabalhos de avaliação dos fornecedores, contratos e apoio para práticas consistentes com o ESG”, diz Reis. Como consequência, acrescenta, mitiga-se o risco de demandas judiciais climáticas.

Empresas familiares tradicionais, geralmente de capital fechado, que estão no mercado há anos, também têm buscado escritórios de advocacia para avaliar a adoção de práticas ESG. “Às vezes, em uma fase de transição de gerações, olhando tendências, consideram implementar”, afirma a advogada Bianca Antacli, sócia da área ambiental do TozziniFreire.

Já nas empresas de capital aberto, advogados têm trabalhado, em conjunto com uma equipe técnica, para saber o que falta para a obtenção do selo da B3 de sustentabilidade. “É preciso cumprir inúmeros requisitos para evidenciar a adoção de práticas ESG”, diz Bianca. “Companhias como AES, Americanas, Braskem e Natura estiveram na carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3 em 2022.”

Mas a advogada afirma que, atualmente, há uma preocupação comum entre as empresas que já adotaram ou pretendem adotar tais práticas. “Com medo do greenwashing [ falsa aparência de sustentabilidade], elas querem apresentar posturas sólidas e concretas”, diz. “Esse receio também tem demandado auditorias no aspecto ESG, com a checagem de controles internos e pensando em eventuais melhorias para se ter certeza antes de qualquer tipo de divulgação.”

Fonte: Valor Econômico