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Watt ‘verde’ impulsiona ebulição no setor de energia elétrica no Brasil

A crescente preocupação ambiental está levando o setor de energia elétrica brasileiro a passar por uma verdadeira transformação. Grandes empresas direcionam bilhões de reais para projetos de geração a partir de fontes renováveis, como solar e eólica, enquanto outras tantas pequenas surgem com soluções do tipo a clientes corporativos menores e pessoas físicas. No centro disso tudo está o compromisso de indústrias, governos e cidades com a redução de emissões poluentes em um esforço coletivo para frear o aquecimento global.

“As últimas conferências de meio ambiente e mudanças climáticas tiveram papel fundamental para difusão e inserção das energias renováveis na matriz energética mundial”, observa André Freitas de Moura, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e consultor de valuation de negócios. “As empresas estão apostando em energia renovável porque entenderam que é o futuro, que a demanda por energia limpa vai crescer. Essa tendência vem de quatro anos, mas agora ficou mais intenso”, adiciona o acadêmico.

Em dezembro passado a International Energy Agency (IEA) estimou que entre 2022 a 2027, a capacidade de geração de fontes renováveis de energia deve crescer quase 2.400 gigawatts (GW), o equivalente hoje à capacidade instalada de energia de toda a China, um aumento de 85% em relação aos cinco anos anteriores. Do total de geração estimada para 2030, espera-se que cerca de 35% venha de fonte eólica e 33% de solar.

A tendência é global e o Brasil tem ambiente ainda mais favorável por ter alta participação de fontes renováveis nas matrizes energética e elétrica. No caso da energética, que abrange eletricidade e fontes de energia para movimentar os carros, esquentar caldeiras industriais e preparar a comida no fogão, o país tem quase a metade (44,8%) do total de fontes renováveis, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), contra 15% na média mundial, de acordo com a IEA. Na matriz elétrica, 83% da eletricidade gerada no Brasil vem de fontes renováveis, contra 29% no mundo.

Essa vantagem conta muito a empresas locais, em especial exportadoras, que vêm sendo cobradas para descarbonizar suas operações e podem fazer, no Brasil, de maneira mais rápida e barata. “Nossos principais clientes são os grandes industriais do país. Todos têm metas claras de descarbonização e a energia limpa é fundamental”, comenta Erika Lima, diretora de Planejamento Estratégico e ESG da AES Brasil. Segundo ela, a companhia começou uma jornada de diversificação do portfólio em 2017, ao adquirir o parque eólico Alto Sertão II. Desde então, tem focado na aquisição de ativos de fontes complementares à hídrica e com contratos de longo prazo, além de desenvolver novos ativos.

Nos últimos cinco anos, a AES mais do que dobrou sua capacidade instalada, cujo total está em 5,2 gigawatts (GW) e vai agregar mais 1,0 GW com os complexos eólicos que estão em construção em Tucano (BA) e Cajuína (RN). Em agosto de 2022, anunciou a compra de três usina eólicas, duas em Pernambuco e uma no Rio Grande do Sul, somando R$ 2 bilhões. A companhia também vende créditos de carbono: já comercializou 460 mil deles, oriundos dos parques eólicos Mandacaru e Salinas, o que corresponde a R$ 7,9 milhões de receita reconhecida.

Os anúncios de investimentos no Brasil de empresas nacionais e multinacionais somaram faturas bilionárias nos últimos dois anos. A Auren, do Grupo Votorantim, comunicou, em 2022, R$ 2,26 bilhões em recursos para dois novos projetos. “O Sol do Piauí é o primeiro projeto híbrido fotovoltaico do Brasil aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)”, explica Rômulo Marçal, diretor executivo corporativo da companhia, se referindo ao de Curral Novo do Piauí (PI).

O outro projeto, um complexo solar em Jaíba, no norte de Minas Gerais, terá capacidade de 636 megawatt-pico (MWp, potência com o sol a pino) e está previsto para operar em 2024. Hoje a empresa tem 31 parques eólicos em operação em quatro complexos no Nordeste, que, juntos, somam 1GW de capacidade instalada – suficiente para abastecer mais de 2 milhões de residências por ano.

A Eneva, empresa de energia elétrica e gás natural, começou sua trajetória em renováveis em 2007, com a usina solar na cidade de Tauá (CE), de 1 MW de capacidade instalada, a primeira operação fotovoltaica comercial da América Latina. A companhia tem planos de modernizá-la, mas a principal iniciativa, no momento, é o Complexo Solar Futura I, em Juazeiro (BA), com capacidade de 837 MWp. O investimento nessa operação foi de R$ 3,2 bilhões. “Até 2025, manteremos os esforços para ganhar eficiência com a implementação da UTE Parnaíba VI, que utiliza o vapor gerado a partir do calor produzido no processo de geração das usinas a gás [para produzir energia], não necessitando de gás natural adicional”, complementa Anita Baggio, diretora-executiva de ESG, Saúde e Segurança e Comunicação da Eneva.

A EDP, por sua vez, tem a meta global de se tornar 100% verde até 2030. Atualmente, executa dois projetos fotovoltaicos de larga escala (em SP e RN), que devem começar a operar em 2024. O investimento em projetos de energia solar distribuída é considerado “uma das avenidas de crescimento” do grupo a nível global e, sobretudo, no Brasil, segundo o CEO João Marques da Cruz. “A empresa já tem mais de 80 MWp instalados em vários Estados brasileiros e outros 50 MWp em construção. Acreditamos que as cidades litorâneas serão fundamentais para o desenvolvimento da geração solar distribuída no país”, diz.

A Energisa criou, no ano passado, uma empresa para venda de assinatura de energia solar a consumidores menores, a (re)energisa e espera chegar a 10 mil clientes até 2024. A empresa anunciou que vai investir cerca de R$ 2,3 bilhões, até 2024, em mais de 150 novas usinas solares, totalizando capacidade de 460 MWp. A meta é chegar a 2026 com 25% da geração de caixa (Ebitda) vinda dos segmentos de transmissão e geração renovável de energia elétrica, somados a soluções de comercialização no mercado livre e a fintech Voltz.

Especialistas dizem que o Brasil pode receber novos investimentos pela sua vocação natural à produção de energia renovável. A consultoria e auditoria EY estima, em relatório de 2021, que o desenvolvimento global de energia renovável exigirá US$ 5,2 trilhões a mais de investimento até 2050, além dos US$ 7,7 trilhões já empenhados.

Além da transição energética, outros fatores que impulsionam a popularização dos projetos de energia limpa no Brasil estão mudanças regulatórias (veja reportagem abaixo) e o barateamento dos equipamentos. O preço dos módulos solares, segundo dados da International Renewable Energy Agency (IRENA), passou de US$ 5,66 por watt em 2000, para US$ 2,15/W em 2010 e chegou em US$ 0,27/W em 2021. O custo dos aerogeradores caiu cerca de 40% em relação ao pico em 2010. Os aparelhos são, em sua maioria, importados da China. Adicionalmente, projetos de fontes renováveis vêm se beneficiando de descontos nas tarifas de transmissão (Tust) e distribuição (Tusd).

Além disso, é cada vez mais difícil, pelo menos no Brasil, conseguir aprovação em órgãos ambientais para projetos hidrelétricos de grande porte com reservatório, que impactam o meio ambiente. As últimas usinas contruídas foram todas do tipo “a fio d’água”, sem reservatório, como Belo Monte (Pará), Santo Antonio e Jirau (Rondônia). “Hidrelétrica é mais complexa do ponto de vista ambiental do que eólico e solar”, aponta Moura, da FGV.

Fonte: Valor Econômico