A velocidade com que a floresta amazônica é derrubada é algo que impressiona leigos e especialistas. De janeiro a agosto já foram quase 8 mil quilômetros quadrados de clarões, o pior número em 15 anos, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Ameaças como essas são vistas diariamente em propriedades públicas e privadas na Amazônia.
Em 2018, a Fazenda Bella Aliança, no município de Bujari, a 25 quilômetros de Rio Branco (Acre), foi invadida. Em fevereiro de 2019, outra área próxima, a Fazenda Ipanema, também foi alvo de desmatamento ilegal para extração de madeira. Os fatos foram um sinal para que o empresário e pecuarista Ricardo Gontijo, dono das duas propriedades, decidisse tirar do papel um plano que poderia proteger ainda mais a reserva florestal: gerar créditos de carbono.
“Há três anos, eu ouço que a preservação da natureza, da floresta e biodiversidade, é a palavra da vez”, diz ‘Seu Ricardo’, como é conhecido na região, à reportagem em sua fazenda no Acre. Desde que chegou ao Estado, ele decidiu manter as árvores em pé, pois, dessa forma, em sua visão, garantiria, sombra para o gado, terra mais fértil e dinheiro a mais na conta. “Acredito que a mata vai valer mais do que a fazenda. O mundo vai pagar cada vez mais pela sustentabilidade. Quero comprar mais terras para gerar ainda mais créditos”, diz.
Hoje, um crédito de carbono, que equivale a uma tonelada de dióxido de carbono evitada, é negociado no mercado voluntário entre US$ 10 a US$ 12. Em países mais maduros na temática, como os europeus, já há título sendo comprado por US$ 15, caso de projetos de alta qualidade e benefícios secundários, como os do selo Clima, Comunidade e Biodiversidade (CCB), que geram impacto social, além do ambiental.
Considerando que os projetos de geração são de longo prazo, em média 30 anos, se tudo sair como planejado, uma fazenda que desloca recursos para proteger a mata pode ganhar um bom dinheiro com isso, ainda mais porque é esperada alta no preço do crédito nos próximos anos, com o forte crescimento da demanda.
De acordo com o Ecossystem Marketplace, o mercado voluntário de créditos de carbono quadruplicou em 2021, chegando a quase US$ 2 bilhões no mundo. A estimativa da consultoria McKinsey é que ele atinja US$ 50 bilhões em 2030.
O Brasil possui 15% do potencial global de geração de créditos por soluções naturais – 1,9 bilhão de toneladas de CO2 equivalente. Estima-se que 78% virá de projetos ligados a restauração florestal, 11% de REDD+ (preservação florestal), 9% de agricultura e 2% de energia a partir de resíduos. “Como os valores mostram, o país possui vocação natural para créditos voluntários florestais que, além do benefício associado à redução de carbono na atmosfera, trazem possíveis benefícios adicionais, como aumento/proteção da biodiversidade, melhora da segurança hídrica e desenvolvimento socioeconômico”, comenta Henrique Ceotto, sócio da McKinsey e coordenador de conteúdo da Iniciativa Brasileira para o Mercado Voluntário de Carbono, criado este ano por diversas companhias nacionais para ampliar a oferta de créditos.
No Brasil, 77% de 80 grandes empresas já anunciaram metas de redução de emissões, de acordo com a consultoria. Parte importante da estratégia será a compensação, por meio de compra de créditos. Apenas esses compromissos devem demandar no Brasil 7 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2030, segundo a McKinsey. É essa a aposta do Seu Ricardo.
Considerando que a abertura de mata para a agropecuária é, no Brasil, responsável por mais de três quartos do desmatamento, segundo no MapBiomas, criar estratégias para convencer o setor a manter a floresta em pé é imprescindível. É neste ponto que a geração de crédito de carbono se mostra uma ferramenta atraente.
A lógica por trás é simples: ao se proteger áreas que provavelmente seriam derrubadas no futuro, garante-se que aquele pedaço continuará absorvendo e fixando gás carbônico da atmosfera, prevenindo o agravamento do aquecimento global. Quem investe nisso é compensado com certificados que equivalem a carbono evitado e que, então, são vendidos. Apesar de parecer fácil, o desenvolvimento de um projeto de Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal, os chamados REDD+, que focam em florestas nativas, pode levar anos.
“O desenvolvimento pode consumir de três a 12 meses, ou até mais; depende das características, tamanho, complexidade, localização e quantas famílias serão impactadas”, explica a engenheira ambiental Francy Nava, gerente de projetos REDD+ na Carbonext, empresa que administra o HIWI REDD+, como foi chamado o projeto das fazendas Ipanema, Bella Aliança e outras duas do Seu Ricardo. “Cada estratégia é desenhada dependendo da característica de floresta ameaçada por um potencial risco.”
Colocar um REDD+ de pé e submetê-lo a uma certificadora – o que dá confiança na comercialização – significa, na prática, atender a dezenas de regras e pré-requisitos, alinhados com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM) da ONU ou com a Reserva para Ações Climáticas (CAR), e ainda passar por rígidas auditorias.
O HIWI, por exemplo, começou em agosto de 2019, mas só em agosto de 2022 recebeu a primeira auditoria da Verra, a certificadora escolhida, o último passo para validar a geração. Está prevista a proteção de 20,5 mil hectares de floresta amazônica durante 30 anos, período em que, espera-se, serão evitados 5.161 hectares de desmatamento, equivalente a 2,64 milhões de toneladas de CO2. Isso se traduz em um potencial de geração de 62.933 Unidades de Carbono Verificadas, os créditos do mercado voluntário. Mesmo sem o OK da certificadora, é possível contabilizar o direito a créditos por investimentos e ações feitas na transição, como a compra de veículos para monitoramento da área.
O que pouca gente sabe é que nem toda área verde pode gerar créditos. “A viabilidade de um projeto está ligado a haver risco de desmatamento. Se não existir ameaça, não há potencial de geração”, explica Felipe Viana Lima, diretor comercial da Carbonext, que gerencia projetos que cobrem cerca de dois milhões hectares na Amazônia.
Para verificar se há ameaças e pressões no território, é calculada a probabilidade do avanço dos clarões na área nos anos seguintes, por meio do histórico de imagens de satélites. Isso vale tanto para a área de reserva legal quanto para outras terras. “Dentro de área de preservação obrigatória, o cálculo para crédito contabiliza eventuais desmatamentos não planejados pelos donos. Fora delas, é contabilizado o desmatamento não planejado e também o desmatamento que tinha licença ambiental, mas que não será feito”, diz Lima.
Mapear os agentes do desmatamento (“drives”) é essencial para montar um plano de contenção plausível. E eles podem vir de qualquer lado, de grileiros que ateiam fogo para retirar madeira ilegal, a pessoas de comunidades ao redor que abrem espaço para agropecuária de subsistência. Entre as ações para conter invasões estão cercas e valas nos limites da propriedade e fiscalização constante. Nas fazendas do HIWI, funcionários fazem rondam com triciclos toda semana na divisa da mata. Na sede da Carbonext, em São Paulo, uma sala apelidada de Nasa, em referência à agência espacial, monitora via satélites em tempo real os projetos em grandes telões. Cada metro quadrado derrubado é descontado da conta de créditos de carbono gerado.
Fonte: Valor Econômico