O conceito de agrofloresta – ou Sistema Agroflorestal (SAF) – surgiu com base nos princípios da permacultura e com a intenção de se produzir alimentos e combustíveis ao mesmo tempo em que protege a biodiversidade, combate a degradação ambiental e reduz os efeitos das mudanças climáticas, permitindo o uso multifuncional da terra. O método permite três abordagens básicas, que mesclam árvores e plantas nativas, cultura e criação de animais.
O SAF se baseia em técnicas ancestrais de produção de alimentos, aliando conhecimentos científicos de ecofisiologia vegetal e suas interações com a fauna, o clima e as comunidades que vivem em áreas próximas. Graças à complementaridade das espécias, os sistemas agroflorestais têm potencial de produtividade muito superior aos sistemas tradicionais (sem árvores), pois a competição por recursos (luz, água e nutrientes do solo, por exemplo) varia com relação a cada espécie.
A incorporação de árvores em pastagens ou sistemas de cultivo promove a criação de microclimas em faixas de proteção, o que é bastante favorável ao crescimento das plantas, já que a temperatura adicional do ar e do solo pode prolongar a estação de desenvolvimento, resultando em ganhos de crescimento e produtividade. Durante os períodos mais quentes, a presença de árvores e o efeito das sombras podem reduzir a perda de água do solo, limitando as taxas de evapotranspiração das plantas.
O sistema agroflorestal utiliza os pilares da sustentabilidade como alicerces, considerando aspectos sociais, econômicos e ambientais, e todo o esforço se dá no sentido de utilizar os conhecimentos humanos e as técnicas de manejo à serviço da terra, e não o contrário, ou seja, adequar a produção ao espaço.
Para o artista e pesquisador Jorge Menna Barreto, a maior diferença entre as agroflorestas com relação às culturas tradicionais está em observar e escutar o que o local tem para oferecer.
– Contrariando a lógica agrocultural de plantarmos o que queremos comer, “corrigindo” o solo para que se adapte à nossa demanda. A agrofloresta inclui o humano como um catalisador dos processos florestais, que produz mais alimentos e acelera os processos de regeneração do solo. O agrofloresteiro é um escultor, que decide onde ele gostaria que os raios de sol incidissem e, assim, organiza a produção de alimentos, que não servem apenas para os humanos, mas para todos os habitantes da floresta – explica.
Jorge Menna Barreto foi responsável pelo Projeto Restauro, que, entre suas ações, trouxe a criação de restaurante na 32ª Bienal de Arte de São Paulo, que oferecia pratos elaborados com ingredientes extraídos de agroflorestas, unindo o ato de se alimentar a uma experiência multisensorial e despertando nos visitantes para a consciência ambiental, social, econômica e política da alimentação.
Com técnicas agroflorestais de uso da terra, SC é pioneira em extração de açaí da palmeira-juçara
Árvore nativa da Mata Atlântica, a palmeira-juçara está presente em 30% do território catarinense. Sua existência é fundamental para o equilíbrio ecológico do bioma, e sua importância econômica fez com que entrasse na lista de espécies ameaçadas de extinção por conta da extração do palmito (prática considerada crime ambiental desde 1998 pela Lei 9.605).
Com a proibição, novos estudos e técnicas de manejo com base nos princípios agroflorestais foram propostas para as comunidades que viviam da extração do palmito juçara. Nesse processo, descobriu-se a importância nutritiva do açaí (que possui maior valor nutricional – mais vitaminas e minerais – que a fruta típica do Norte do Brasil), fruto da palmeira-juçara, e do seu valor econômico. Com isso, vem-se trabalhando na inserção do açaí no contexto do desenvolvimento socioeconômico de pequenos produtores rurais catarinenses e também de tribos indígenas que têm a coleta de frutas nativas e o cultivo agrícola de subsistência como modo de vida.
Santa Catarina é autossuficente em açaí, e seu manejo, extração e comercialização nas regiões Sul e Sudeste são uma alternativa sustentável ao açaí nortista. Além de gerar emprego e renda para comunidades do Estado, o açaí daqui evita o altíssimo consumo de combustíveis, reduzindo os impactos socioambientais do transporte do fruto ou sua polpa desde a região Norte.
O produtor e pesquisador Germano Tedesco trocou a produção de maçãs na Serra Gaúcha pelo açaí catarinense, cuja importância foi tema de sua dissertação de mestrado.
– Durante a pesquisa, o encontro com as aldeias indígenas me fez ter conhecimento da carência de atividades econômicas que estivessem alinhadas com o estilo de vida dessas pessoas e que, ao mesmo tempo, pudesse desenvolver o potencial de jovens da região, que poderiam trabalhar com a extração dentro das terras indígenas. A partir disso, passei a analisar formas de introduzir o cultivo da planta nesses locais, como a terra indígena Ibirama-La Klãnõ – explica.
Para o pesquisador, o maior diferencial da extração do açaí juçara é a possibilidade de aliar cultivo sustentável e geração de renda.
– O desenvolvimento do açaí em SC favorece desde as aldeias indígenas, que possuem poucos recursos para explorar dentro de suas terras, e pequenos produtores, até, e principalmente, as áreas de preservação permanente, que podem gerar receita mesmo em estado de conservação, evitando sua degradação – conclui.
As agroflorestas oferecem uma abordagem mais integrada e sustentável de gestão agrícola e proteção da natureza. Ao mesmo tempo em que potencializam os ganhos com a produção, movimentando a economia das comunidades produtoras, proporcionam proteção às espécies nativas da fauna e da flora e minimizam os usos de recursos e os impactos ambientais.
Fonte: G1