O Brasil plantou, em 2015, 71,2 milhões de hectares de lavouras em 21 cultivos e utilizou 899 milhões de litros de agrotóxicos. A extensão territorial equivale a aproximadamente 591 cidades do Rio de Janeiro, com a soja ocupando quase metade de toda área plantada, com 42%, seguida do milho, 21%, e da cana-de-açúcar, 13%. No Paraná, tais culturas estão entre as cinco primeiras na produção da safra 2018/2019 – o estado representa 20% da produção nacional de grãos, ocupando uma posição de destaque no mercado agrícola nacional. A tendência, nesse cenário de commodities e concentração de renda é o aumento de intoxicações e diminuição de oferta de produtos agroecológicos.
A tese Agrotóxicos, transgênicos na agricultura e saúde humana no estado do Paraná-Brasil aponta que, em 2016, a OMS (Organização Mundial de Saúde) estimava que nos chamados “países em desenvolvimento” ocorrem mais de três milhões de intoxicações agudas causadas por agrotóxicos, resultando em mais de 220 mil mortes por ano. Apesar das subnotificações, algumas pesquisas dão uma dimensão mais próxima da realidade brasileira. Em 2019, o Brasil contabilizava 16.249 propriedades certificadas de orgânicos – sendo 2.402 no Paraná, estado com o maior número de propriedades no país.
No entanto, nos falta um senso agroecológico para ter a dimensão real desta outra forma de produção. Algumas teses chegam a defender, inclusive, que embora já exista eficiência produtiva com níveis satisfatórios de manejo e produção, ainda existe “carência em ações de ensino, pesquisa e extensão que sejam associados às particularidades presentes no sistema orgânico”.
De acordo com o art. 2º da Lei nº 10.831/2003, “considera-se produto da agricultura orgânica ou produto orgânico, seja ele in natura ou processado, aquele obtido em sistema orgânico de produção agropecuário ou oriundo de processo extrativista sustentável e não prejudicial ao ecossistema local”. Já Júlio Bittencourt, do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná), define orgânico como “orgânico convencionalizado”. “Quando a gente trabalha a transição agroecológica, a gente vai trabalhando esse olhar diferenciado para a biodiversidade”, explica. O agricultor que transita para o orgânico funciona, muitas vezes, ainda na estrutura da monocultura e, ao substituir os insumos convencionais como agrotóxicos e adubos sintéticos, ele vai encontrar desafios aos quais precisa se ajustar de outras formas agora, como as pragas.
O orgânico é descrito por Júlio como uma fase intermediária ao agroecológico, que olha também para a segurança alimentar, biodiversidade local, preservação de córregos d’água. Um diagnóstico feito pelo especialista é de que, no Paraná, existem muitos produtores orgânicos especializados em um único cultivo, o que os compromete também na alimentação. “Hoje, o produtor compra 98% da sua necessidade de alimentos no mercado. E, infelizmente, compra um alimento péssimo, industrializado. Isso está muito difundido, não é só no meio urbano que as pessoas se alimentam mal”, afirma. Ao ter um quintal agroflorestal na sua propriedade, com diversidade para consumo próprio, o produtor melhora a alimentação da família e a biodiversidade local.
Quando passam pela transição agroecológica, as culturas, agora diversas, se tornam mais estáveis. Na monocultura orgânica, o aparecimento de pragas, insetos e doenças sempre deixa os produtores reféns de produtos permitidos na produção orgânica – é a mesma lógica da convencional. Logo, no cultivo agroecológico existe a melhora no ponto de vista da saúde, da sociedade e do meio ambiente. “Tem um pessoal até interessado em produzir, mas aí vai demorar um pouco para ter retorno, e eles já têm dívidas, já têm outros custos”, expõe a agricultora Deisi Kerkhoff. Para ela, é importante disseminar o conhecimento sobre o não uso de agrotóxicos nas lavouras, para que mais produtores conheçam a prática e entendam que ela é viável.
Fonte: Modefica